quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012
Jornal Nacional partidariza reportagem sobre Cuba e prova que princípios editoriais da Globo são alegoria
Em agosto de 2011 as Organizações Globo lançaram, com grande estardalhaço, um documento intitulado “Princípios Editoriais”, contendo as “normas e condutas que os veículos do grupo devem seguir para que seja cumprido o compromisso de oferecer jornalismo de qualidade”, conforme noticiou o G1, portal do grupo.
Quem conhece minimamente o histórico dos meios de comunicação da família Marinho – no conjunto da população brasileira, é um contingente ínfimo de pessoas – sabe que os tais “princípios” não passam de alegoria, balela, conversa pra boi dormir, (mais uma) tentativa de iludir ou enganar incautos sobre a verdeira natureza do grupo Globo: uma instituição política disfarçada de empresa de informação e entretenimento.
Indo ao que interessa, na edição do Jornal Nacional – principal produto jornalístico da Globo, que é assistido todas as noites por dezenas de milhões de pessoas em todo o Brasil – de terça-feira (31/1), foi exibida uma reportagem sobre a visita da presidenta Dilma a Cuba (confira o vídeo e o texto completo da matéria aqui).
A abordagem da emissora, que considera Cuba uma ditadura onde a liberdade é sufocada e o povo vive oprimido, não espanta e nem sequer incomoda muito, embora a parcialidade se transforme muitas vezes em desonestidade.
“O diabo está nos detalhes”, diz um célebre ditado inglês.
No encerramento da matéria, o apresentador William Bonner leu nota que seria uma manifestação da Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara Federal. Para isso o JN recorreu ao 2º vice-presidente do órgão.
“Sobre as declarações de Dilma, o vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Arnaldo Jordí, do PPS do Pará, lamentou que o governo brasileiro tenha deixado a garantia dos direitos individuais fora da pauta de discussões em Cuba. O deputado disse ainda que a comunidade internacional não aceita mais a privação de direitos como a liberdade de expressão e de organização política”. (William Bonner, JN, 31/01/2012)
Curioso a emissora ter recorrido à terceira pessoa na hierarquia da CDH – a presidenta é a deputada Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) e o 1º vice-presidente é o deputado Domingos Dutra (PT-MA) – apenas para garantir a manifestação de um deputado que faz oposição ao governo federal, embora apresentado como porta-voz de uma instituição especializada nas questões de direitos humanos.
Questionei a deputada Manuela D’Ávila pelo Twitter e ela confirmou que não foi procurada pela reportagem, como eu suspeitara.
E falei por telefone com o deputado Dutra, que também não foi contatado pela Globo.
O fato grave, gravíssimo, é que a emissora, ao ignorar a hierarquia institucional da Comissão de Direitos Humanos, apenas para emprestar à sua reportagem um ar de isenção e legitimidade que o órgão reconhecidamente possui, desrespeitou o órgão e, assim, assinou o atestado de partidarização da pauta, o que fere os seus princípios editoriais (leia abaixo).
Pior ainda, pregou uma peça em toda a audiência do telejornal, que saiu com a impressão de ter ouvido uma declaração da Comissão de Direitos Humanos criticando o governo.
Essa é a ética da Rede Globo. Esse é o respeito pelos princípios editoriais que os herdeiros de Roberto Marinho assinaram, em nome dos seus filhos e netos.
Da Manuela D’ávila e de Domingos Dutra, a Globo jamais arrancaria uma crítica à postura do governo de não abraçar a pauta da oposição, que só fala de direitos humanos em países inimigos dos EUA: Cuba, Irã, Venezuela, entre outros.
Jamais você vai ouvir alguém do PSDB ou do DEM (ou algum veículo da Globo) falar – talvez algum polpitico do PPS fale – sobre as violações de direitos humanos no Iraque, no Afeganistão, na Arábia Saudita ou mesmo nos EUA, que tem extensa folha corrida de desrespeito aos direitos básicos da sua própria população.
Daí a forjar uma manifestação da Comissão de Direitos Humanos da Câmara é uma prática típica dos assassinos que dizem, com as mãos ensanguentadas diante da vítima: “a culpa é do punhal”.
Seria muito importante, a bem da verdade, que a Comissão se pronunciasse a respeito dessa fraude político-jornalística.
Lamentável. Mas não surpreendente.
Mais uma vez, a Rede Globo mostra – ainda que sutilmente – a sua verdadeira natureza: uma organização política.
Leia alguns trechos dos Princípios Editoriais da Globo que rejeitam a partidarização do trabalho noticioso.
http://g1.globo.com/principios-editoriais-das-organizacoes-globo.html
“(…)
Um jornal de um partido político, por exemplo, não deixa de ser um jornal, mas não pratica jornalismo, não como aqui definido: noticia os fatos, analisa-os, opina, mas sempre por um prisma, sempre com um viés, o viés do partido. E sempre com um propósito: o de conquistar seguidores. Faz propaganda. Algo bem diverso de um jornal generalista de informação: este noticia os fatos, analisa-os, opina, mas com a intenção consciente de não ter um viés, de tentar traduzir a realidade, no limite das possibilidades, livre de prismas. Produz conhecimento. As Organizações Globo terão sempre e apenas veículos cujo propósito seja conhecer, produzir conhecimento, informar.
(…)
h) É imperativo que não haja filtros na composição das redações.
i) As Organizações Globo são apartidárias, e os seus veículos devem se esforçar para assim ser percebidos;
As Organizações Globo serão sempre independentes, apartidárias, laicas e praticarão um jornalismo que busque a isenção, a correção e a agilidade (…).”
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