Por Fernando Grecco
“Uma
das metas da educação é formar mentes que estejam em condições de criticar,
verificar e não aceitar tudo que a elas se propõe." (Jean Piaget)
Sabemos que Votorantim possui,
de um modo geral, uma população que deixa muito a desejar em termos
educacionais e, principalmente, no que concerne à formação cultural. Esse
fenômeno não é prerrogativa local, evidentemente, mas por aqui parece que a
resistência à evolução é maior, encontrando obstáculos intransponíveis a todo
instante. No entanto, quando assistimos a uma pasta importante da administração
pública fomentar propositadamente a alienação nas crianças, devemos nos
preocupar de fato, uma vez que os prejuízos podem ser incalculáveis.
Referimo-nos à triste informação de
que a Secretaria Municipal de Educação promoverá, na rede pública de ensino,
atividades comemorativas ao 31 de outubro, data em que se comemora o Halloween,
evento cultural mais fortemente presente nos EUA. Com o pretexto pouco
convincente de estimular o estudo do inglês, uma vez que as comemorações serão
realizadas pela Oficina de Língua Estrangeira, a secretaria demonstra um
incomensurável e injustificável despreparo no que toca à condução de uma pedagogia
realmente libertadora. Dessa forma, a secretaria evidencia estar presa, ainda, ao
conservadorismo da concepção pedagógica tradicional, com um agravante: a
subordinação inteira ao imperialismo norte-americano.
Mal comparando, a obra “Pinóquio às
avessas”, de Rubem Alves, retrata essa pedagogia prisioneira aos interesses do
liberalismo econômico, o que no caso de Votorantim transpõe os limites do
aceitável quando visa engranzar nas crianças conceitos culturais que, além de
distantes de suas realidades, procedem de uma estratégia política das mais
perversas que a humanidade já conheceu. O resultado inevitável dessa
subserviência é o adulto desprovido de identidade própria, bem aos moldes
desejáveis pelo mercado que visa de maneira persistente à uniformização de
pensamentos e à padronização de comportamentos.
Não se trata, como cinicamente pode alegar
a secretaria de educação, de estimular o estudo da língua ou mesmo promover o
conhecimento da cultura de outros povos através de atividades lúdicas. No caso
do primeiro argumento, o estímulo ao estudo da língua inglesa, ou de qualquer
outro idioma, dá-se na demonstração inequívoca da riqueza dos distintos
dialetos existentes no mundo como incontestável patrimônio da humanidade. No
segundo argumento, compreender a cultura alheia não é sinônimo de reproduzir
práticas que em nada se identificam com a nossa realidade. Primeiramente, a
pedagogia deveria voltar-se ao entendimento da nossa cultura, o que estaria
vinculado a análises profundas, por exemplo, sobre as matrizes culturais
africanas e àquelas verificadas na Península Ibérica sobretudo nos três
primeiros séculos da colônia.
E mais, no caso de repetir impensadamente
comportamentos manifestados na cultura alheia, então adotaremos o mesmo critério
para o estudo de todas as manifestações culturais já conhecidas na humanidade,
e não somente a norte-americana. Por exemplo, poderíamos iniciar arremessando
bebês de uma altura de 500 metros para serem salvos por pessoas que por eles
esperam com lençóis aos pés de uma torre, como acontece na Índia há mais de
cinco séculos. Ou, quem sabe, inspirados nos Aghoris, podemos estimular a
prática de se alimentar de pessoas mortas com o objetivo de buscar a
imortalidade e poderes sobrenaturais. Tudo isso faz sentido para a nossa
realidade? Não. Logo, entender e respeitar os tradicionalismos de um povo, o
que é esperado, não significa, nem de longe, praticá-los.
Nota-se que, mesmo após o desenvolvimento da
Teoria da Ação Antidialógica, de Paulo Freire, ainda há legiões de pedagogos
que, por ignorância ou má fé, fecham-se em seus universos medíocres e, pior,
confinam toda uma juventude na cela escura e nuviosa da estupidez. Dessa forma,
jamais evidenciarão a opulência da língua de Shakespeare às crianças, mas
estarão falseando o mundo, conscientes ou não, para a dominação completa de
seus corações e mentes.
*Artigo publicado para a edição da Folha de Votorantim de 24/10/2013.
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