quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Educação ou aculturação?*

   Por Fernando Grecco
   “Uma das metas da educação é formar mentes que estejam em condições de criticar, verificar e não aceitar tudo que a elas se propõe." (Jean Piaget)

   Sabemos que Votorantim possui, de um modo geral, uma população que deixa muito a desejar em termos educacionais e, principalmente, no que concerne à formação cultural. Esse fenômeno não é prerrogativa local, evidentemente, mas por aqui parece que a resistência à evolução é maior, encontrando obstáculos intransponíveis a todo instante. No entanto, quando assistimos a uma pasta importante da administração pública fomentar propositadamente a alienação nas crianças, devemos nos preocupar de fato, uma vez que os prejuízos podem ser incalculáveis.
   Referimo-nos à triste informação de que a Secretaria Municipal de Educação promoverá, na rede pública de ensino, atividades comemorativas ao 31 de outubro, data em que se comemora o Halloween, evento cultural mais fortemente presente nos EUA. Com o pretexto pouco convincente de estimular o estudo do inglês, uma vez que as comemorações serão realizadas pela Oficina de Língua Estrangeira, a secretaria demonstra um incomensurável e injustificável despreparo no que toca à condução de uma pedagogia realmente libertadora. Dessa forma, a secretaria evidencia estar presa, ainda, ao conservadorismo da concepção pedagógica tradicional, com um agravante: a subordinação inteira ao imperialismo norte-americano.
   Mal comparando, a obra “Pinóquio às avessas”, de Rubem Alves, retrata essa pedagogia prisioneira aos interesses do liberalismo econômico, o que no caso de Votorantim transpõe os limites do aceitável quando visa engranzar nas crianças conceitos culturais que, além de distantes de suas realidades, procedem de uma estratégia política das mais perversas que a humanidade já conheceu. O resultado inevitável dessa subserviência é o adulto desprovido de identidade própria, bem aos moldes desejáveis pelo mercado que visa de maneira persistente à uniformização de pensamentos e à padronização de comportamentos.
   Não se trata, como cinicamente pode alegar a secretaria de educação, de estimular o estudo da língua ou mesmo promover o conhecimento da cultura de outros povos através de atividades lúdicas. No caso do primeiro argumento, o estímulo ao estudo da língua inglesa, ou de qualquer outro idioma, dá-se na demonstração inequívoca da riqueza dos distintos dialetos existentes no mundo como incontestável patrimônio da humanidade. No segundo argumento, compreender a cultura alheia não é sinônimo de reproduzir práticas que em nada se identificam com a nossa realidade. Primeiramente, a pedagogia deveria voltar-se ao entendimento da nossa cultura, o que estaria vinculado a análises profundas, por exemplo, sobre as matrizes culturais africanas e àquelas verificadas na Península Ibérica sobretudo nos três primeiros séculos da colônia.
   E mais, no caso de repetir impensadamente comportamentos manifestados na cultura alheia, então adotaremos o mesmo critério para o estudo de todas as manifestações culturais já conhecidas na humanidade, e não somente a norte-americana. Por exemplo, poderíamos iniciar arremessando bebês de uma altura de 500 metros para serem salvos por pessoas que por eles esperam com lençóis aos pés de uma torre, como acontece na Índia há mais de cinco séculos. Ou, quem sabe, inspirados nos Aghoris, podemos estimular a prática de se alimentar de pessoas mortas com o objetivo de buscar a imortalidade e poderes sobrenaturais. Tudo isso faz sentido para a nossa realidade? Não. Logo, entender e respeitar os tradicionalismos de um povo, o que é esperado, não significa, nem de longe, praticá-los.
   Nota-se que, mesmo após o desenvolvimento da Teoria da Ação Antidialógica, de Paulo Freire, ainda há legiões de pedagogos que, por ignorância ou má fé, fecham-se em seus universos medíocres e, pior, confinam toda uma juventude na cela escura e nuviosa da estupidez. Dessa forma, jamais evidenciarão a opulência da língua de Shakespeare às crianças, mas estarão falseando o mundo, conscientes ou não, para a dominação completa de seus corações e mentes.

*Artigo publicado para a edição da Folha de Votorantim de 24/10/2013.

Nenhum comentário:

Postar um comentário