Por Darío Pignotti
O diretor do presídio brasileiro de Xanxerê ignorava o que tinha nas mãos: “O argentino Claudio Vallejos está aqui desde 4 de janeiro, por estelionato; não sabemos quase nada do que fez quando era repressor, como você diz que foi; só agora que estamos sabendo”. “Vallejos atuou na repressão durante a ditadura argentina que matou brasileiros, uruguaios, chilenos, italianos”, explica este jornal para o agente penitenciário Luis Brandielli, que não consegue disfarçar a surpresa: “Verdade? Este homem esteve metido nisso? Você pode me enviar alguma matéria sobre Vallejos?”
Apesar de hilário, o diálogo telefônico, que aconteceu às 7h40min desta sexta feira (dia 24), é revelador da desinformação que impregna os órgãos de segurança brasileiros a respeito dos ex-agentes envolvidos em violações dos direitos humanos, e ilustra o percurso de Vallejos. Faz três décadas, o antigo membro da ESMA (Escola de Mecânica da Marinha de Guerra Argentina) encontrou um refúgio confortável no Brasil, repetindo o itinerário de outros repressores desempregados que passaram do terrorismo de Estado para a delinquência comum.
A notícia sobre a prisão de Vallejos colocou em alerta a embaixada argentina em Brasília, que às 8h30min de sexta-feira teria entrado em contato com os funcionários de Santa Catarina para informar sobre o preso alojado no interior do estado. “Ou trabalhamos rápido, ou este senhor escapa, porque seu advogado pode pedir a liberdade condicional a qualquer momento, é muito fácil consegui-la para um processado por estelionato”, comenta uma fonte diplomática, pedindo para se manter no anonimato.
O “Gordo” Vallejos, pseudônimo bem ganho, se julgarmos pelo que mostram as fotos do seu prontuário policial, já havia estado preso na penitenciária estadual de Xanxerê pelo menos uma vez, sempre por estelionato, e foi expulso do Brasil, onde, segundo fontes de organizações de direitos humanos, tem um filho. Em 1986, seguro da impunidade que garantiam as “leis do esquecimento”, o foragido contava vantagem para a imprensa brasileira, dizia ter matado 30 prisioneiros, torturado outros mais e – o mais importante- narrou como o repressor Alfredo Astiz assassinou o pianista de Vinicius de Moraes em março de 1976, um dos primeiros crimes posteriores ao golpe de 24 de março.
“Essa confissão, de 26 anos atrás, agora pode ter toda a atualidade do mundo, temo que seja tratada apenas na Comissão da Verdade que criou a presidenta Dilma [Rousseff]. Temos na prisão o repressor que conhece e parece que também participou na desaparição de um cidadão brasileiro em Buenos Aires”, afirma Rose Nogueira, do grupo Tortura Nunca Mais. “O que disse pode trazer conseqüências políticas, mas não jurídicas, porque em Brasil rege a anistia da ditadura”, completa.
Rose continua: “Peço licença pra corrigi-lo: a lei de anistia, ou ‘de autoanistia’, se preferir, que lamentavelmente vigora, não pode anular delitos permanentes como a desaparição. Se nós podemos demonstrar na Comissão da Verdade, perante promotores, que queremos que participem das audiências, que esse Vallejos está envolvido numa desaparição, acreditamos que poderia ser julgado. Digo isto porque já existe um caso do Supremo, reconhecendo que a desaparição não se extingue. Obviamente, haverá uma polêmica com os defensores da anistia”.
A afirmação de Rose Nogueira, ex-companheira de cela da presidenta Rousseff, nos anos 70, adianta que as organizações de direitos humanos não vão cruzar os braços perante o repressor se ele permanecer no Brasil. Tanto pela sua proximidade com a desaparição do músico Tenorio Cerqueira, como pelo seu exílio no Brasil desde os primeiros anos da transição democrática, Vallejos pertence à cria do Plano Condor Brasil-Argentina, uma das páginas menos conhecidas da década infame de América do Sul.
Qualquer promotor curioso, brasileiro ou argentino, poderia confrontar Vallejos com as entrevistas – cedidas a este jornal pelo Movimento Justiça e Direitos Humanos - nas quais, 26 anos atrás, demonstrou estar muito bem informado sobre a presença no Brasil de repressores argentinos e até de crianças roubadas dos seus pais em cativeiro. Está documentado que nos anos 80 o Plano Condor deu abrigo aos seus homens em retirada, perante a “ameaça” democrática. Os chilenos, com apoio do ditador paraguaio Alfredo Stroessner, criaram a conhecida “confraria” em Assunção, e contaram com o apoio do Serviço de Inteligência de Defesa uruguaio, em 1992, para tirar de Santiago o incômodo bioquímico da DINA, Eugenio Berríos, depois assassinado numa praia de Uruguai.
Claudio Vallejos talvez possa esclarecer sobre a estrutura que facilitou os movimentos no Brasil do repressor Guillermo Suárez Mason, quem dividia seu tempo entre ações desestabilizadoras contra o presidente argentino Raúl Alfonsín e encontros em São Paulo com Licio Gelli, da Loja Macônica P2, de notória vinculação com as ditaduras dos anos 70.
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
Torturador assassino da ditadura argentina é preso no Brasil por estelionato | Brasil de Fato
Torturador assassino da ditadura argentina é preso no Brasil por estelionato | Brasil de Fato
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