sexta-feira, 11 de maio de 2012

Academia de Letras pra quê?

Por Marcos Bagno


Caros Amigos, novembro de 2010

Quando os revolucionários franceses demoliram a Bastilha em 14 de julho de 1789, decerto ficaram tão emocionados com o feito que se esqueceram de demolir outro prédio, o da Academia Francesa. Que pena! Tanto quanto a Bastilha, a Academia representa o que há de mais arcaico e feudal. Basta lembrar que foi fundada em 1635 por ninguém menos do que o cardeal Richelieu, todo-poderoso chanceler de Luís XIII, em pleno apogeu do regime monárquico absolutista. Se a coisa ficasse por lá, entre os pernósticos franceses, não teria problema. Mas os espíritos colonizados não iam suportar abrir mão de mais essa macaqueação francófila. E toca a fundar a Academia Brasileira de Letras em 1897, com os mesmos 40 membros da francesa e num prédio chamado Petit Trianon, cópia em escala menor da outra. Criada já na República, a ABL é um belo símbolo do caráter oligárquico, elitista e aristocrático do nosso regime republicano, inaugurado por marechais.
Eu não teria nada contra uma Academia de Letras se ela prestasse para alguma coisa. Mas como querer cobrar qualquer presença social significativa de uma entidade que tem entre seus “imortais” figuras desprezíveis como José Sarney, senhor feudal do Maranhão e do Amapá, e Marco Maciel que (graças a Zeus!) não foi reeleito pela ducentésima vez para cumprir seu destino reptiliano de “se há governo, sou a favor”. Quando foi nomeado ministro da Educação, minha professora de latim na Universidade Federal de Pernambuco, a finada D. Inalda, fez uma declaração inesquecível: “Esse homem entende tanto de educação quanto o meu cachorro, e olha que eu nem tenho cachorro!”. Adorei quando o bruxo Paulo Coelho foi eleito para a ABL, pois assim o escracho se institucionalizou de vez. No entanto, lamentei muito quando as mulheres foram admitidas nesse antro de vaidade essencialmente masculina (aliás, vaidade masculina é redundância: comparada à dos homens, a vaidade feminina é uma bênção). E, é claro, essa admissão só se deu porque a matriz francesa abriu as portas às mulheres.
Quando vejo a produção, por exemplo, da Real Academia Española, fico roxo de inveja. O dicionário da RAE é uma beleza, abrange todas as variedades da língua faladas mundo afora, tem versão eletrônica e também pode ser consultado on-line no site da própria Academia. Recentemente, em conjunto com todas as academias de língua espanhola do mundo (incluindo os Estados Unidos, que tem mais de 40 milhões de falantes de espanhol, um número maior do que a população da Argentina), foi publicada uma monumental gramática da língua, em dois volumes, com mais de 3.000 páginas, contemplando e dando aval a todas as formas de falar a língua já devidamente implantadas nos diferentes países.
O problema do português é que ele é uma língua polarizada: Portugal e Brasil. E como tradicionalmente somos colonizados linguisticamente pelos portugueses, apesar de termos um território dezenas de vezes mais amplo, uma população dez vezes maior, uma economia entre as principais do mundo e uma importância geopolítica incomparável, ainda temos de acreditar nas bobagens que as gramáticas normativas tentam nos ensinar, desconsiderando por completo as características próprias do português brasileiro. E toca a usar mesóclise e outras coisas igualmente ridículas… ¡Ay, qué invidia!

MARCOS BAGNO vem se tornando conhecido por sua luta contra a discriminação social por meio da linguagem. Para ele, o preconceito linguístico precisa ser reconhecido, denunciado e combatido, porque é uma das formas mais sutis e perversas de exclusão social.Por causa desta militância, MARCOS BAGNO vem recebendo amplo apoio de todos aqueles que desejam construir uma sociedade verdadeiramente democrática, governada pelo respeito às diferenças e pelo acesso aos bens culturais de prestígio.

Quem é Marcos Bagno?

Marcos Bagno nasceu em Cataguases (MG), mas sempre viveu fora de seu estado de origem. Depois de ter vivido em Salvador, no Rio de Janeiro, em Brasília e no Recife, transferiu-se em 1994 para a capital de São Paulo, onde viveu até 2002, quando se tornou professor do Instituto de Letras da Universidade de Brasília (UnB), tendo atuado no Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas até 2009, ano em que se transferiu para o Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução.

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