domingo, 9 de dezembro de 2012

Adeus, camarada*

“Enquanto houver miséria e opressão, ser comunista é nossa opção.”
(Oscar Niemeyer)

A queda dos países socialistas, no início dos anos de 1990, contribuiu sobremodo para que os teóricos e defensores da economia capitalista alardeassem, em diversas teses acadêmicas e nos principais jornais do mundo, que a dicotomia direita-esquerda, no espectro político, estava ultrapassada. Assim, as posições políticas mais radicais passaram a ser estigmatizadas e a credibilidade da esquerda foi, aos poucos, sendo maculada por uma publicidade intensa patrocinada pelos meios de comunicação em massa. No Brasil, evidentemente, onde impera um atraso cultural expressivo por parte da população, a nossa elite, talvez uma das mais retrógradas do mundo, encontrou terreno fértil para aniquilar (de modo literal em alguns momentos) com a esquerda e seus representantes.

Mas a reflexão, aliada à paixão ideológica, de tempos em tempos renasce em determinados expoentes da vida pública. Oscar Niemeyer impressionou não somente pela sua genialidade artística a que o mundo se rendeu, mas também pelo seu comunismo saudosista, pela crença em uma sociedade superior, onde a miséria e a exploração não compusessem o cotidiano dos homens. Ateu, para o arrepio de uma sociedade religiosamente hipócrita, sua obra de arte era a manifestação genuína do engajamento político, do resgate de um pensamento de esquerda que defende a liberdade, a igualdade econômico-social e a fraternidade entre os seres humanos.

Dessa maneira é que o pensamento de esquerda permanece vivo, para a cólera de capitalistas senis. Através de personagens históricos do porte de Niemeyer é que se mantém acesa uma chama idealista e libertária que completa a essência de alguns homens. Sua obra, expressão de uma genialidade ímpar, é largamente discorrida e apontada pelos críticos do mundo todo. No entanto, sua sensibilidade humana e o compromisso com os ideais comunistas nem sempre mereceram a mesma atenção por parte dos editoriais conservadores dos principais jornais do planeta.

Niemeyer simboliza uma arquitetura poética de caráter flexível, maleável, criativo, simples e comovente. O arquiteto ofereceu ao mundo uma arte livre, de caráter socialista, totalmente desapegada da alienação capitalista que induz a sociedade para uma concorrência canibal. A essência artística de Niemeyer, sem dúvida, é a sua opção ideológica comunista, pois é justamente o ideário de liberdade que pode conduzir para uma obra de arte impecável, rica e inovadora. Nas palavras de Eduardo Galeano, “Oscar amava as curvas, mas odiava as linhas retas e o capitalismo”.

A leveza e o espetáculo de uma obra extraordinária provêm essencialmente de um pensamento humanista raro. Na revolução das “curvas livres e sensuais” encontramos a filosofia da liberdade, do desprendimento e do regozijo. Por isso, além da estética incomum da obra, a ideologia nela diluída tem muito a oferecer se analisarmos holisticamente todo o conjunto da arte legada por Niemeyer. O gigantismo da produção de um arquiteto centenário certamente é uma herança legítima para toda a humanidade.

Oxalá faça sentido a frase do antropólogo Darcy Ribeiro: “Oscar Niemeyer (será) o único brasileiro a ser lembrado, no mundo todo, daqui a mil anos”. Ou, por fim, façamos nossas as palavras do presidente venezuelano Hugo Chávez: “Eterno camarada, na curva que desenhaste sempre poderemos encontrar a retidão de teus propósitos e lembraremos teus simples, mas gigantescos anseios: ser simples, criar um mundo igualitário para todos".

* Publicado no jornal Folha de Votorantim em 11/12/12.

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