sábado, 16 de fevereiro de 2013

A crise romana*

Por Fernando Grecco
Para se mensurar a proporção da atual crise na alta cúpula da Igreja Católica basta retroceder um pouco na história para constatarmos que o último papa a renunciar ao cargo, Gregório XII, estava inserido no beligerante contexto da Grande Cisma do Ocidente, em 1415. Joseph Ratzinger, eleito papa em abril de 2005, abdica de suas funções em meio a um clima político infecundo, onde não são raros os escândalos sexuais e financeiros na Santa Sé. A renúncia se dá bem mais por razões de natureza política e menos por questões espirituais ou mesmo de saúde do bispo de Roma.
Patrocinador e dirigente da ortodoxia católica, Ratzinger sucumbe dentro de uma estrutura que ele próprio alimentou desde quando esteve à frente da Congregação para a Doutrina da Fé. “Opus Dei”, “Legionários” e “Comunhão e Libertação”, tendências de extrema-direita que se diluem na vida política da Europa e do mundo já apressavam o fim do Romano Pontífice nos corredores do Vaticano. Devorado por essas convergências que ele mesmo exerceu considerável influência, Ratzinger cede e expõe a fragilidade política dos seguidores de Escrivá ou Giussani.
Intelectual, o cardeal alemão promoveu com maestria a perseguição às idéias marxistas que germinavam no seio de uma igreja influenciada pelos ventos do Concílio Vaticano II. Calou e sufocou a Teologia da Libertação, expressão máxima de um cristianismo que se voltou para os problemas sociais mais abjetos que o sistema econômico capitalista proporcionou à humanidade. O diálogo inter-religioso, as questões relativas à contracepção, à homossexualidade, ao divórcio, à misoginia religiosa etc., certamente são temas que retrocederam durante o pontificado de Ratzinger e Karol Wojtyla.
Para o futuro da igreja, quiçá uma reforma teológica, que tange também uma reestruturação da Cúria Romana, seja relativamente importante para a igreja vestir-se de um discurso que se aproxime um pouco mais da realidade social e cultural dos homens e que abarque, principalmente, a desolação do jovem da atualidade. Esse catolicismo estéril dos octogenários não sustenta tampouco atrai a juventude, hoje tão aculturada e limitada intelectualmente, propulsora de uma era do imediatismo, da liberdade sexual e de valores (discutíveis) que em nada se assemelham aos tradicionalismos de uma teologia de vinte séculos.
Revendo seu papel social, talvez, a igreja possa emergir de um lodaçal que ela mesma se atolou quando não soube de adequar à realidade global do mundo contemporâneo. Voltar-se às necessidades basilares da sociedade atual, quem sabe seja o único caminho para um catolicismo que diariamente perde fiéis para algumas denominações neopentecostais que, diga-se de passagem, não são menos conservadoras, mas são “legitimadas” por teorias absurdas ligadas à Teologia da Prosperidade.

* Artigo publicado originalmente no jornal Gazeta de Votorantim de 23/02/2013.

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