Para se
mensurar a proporção da atual crise na alta cúpula da Igreja Católica basta
retroceder um pouco na história para constatarmos que o último papa a renunciar
ao cargo, Gregório XII, estava inserido no beligerante contexto da Grande Cisma
do Ocidente, em 1415. Joseph Ratzinger, eleito papa em abril de 2005, abdica de
suas funções em meio a um clima político infecundo, onde não são raros os
escândalos sexuais e financeiros na Santa Sé. A renúncia se dá bem mais por
razões de natureza política e menos por questões espirituais ou mesmo de saúde
do bispo de Roma.
Patrocinador
e dirigente da ortodoxia católica, Ratzinger sucumbe dentro de uma estrutura
que ele próprio alimentou desde quando esteve à frente da Congregação para a
Doutrina da Fé. “Opus Dei”, “Legionários” e “Comunhão e Libertação”, tendências
de extrema-direita que se diluem na vida política da Europa e do mundo já
apressavam o fim do Romano Pontífice nos corredores do Vaticano. Devorado por
essas convergências que ele mesmo exerceu considerável influência, Ratzinger
cede e expõe a fragilidade política dos seguidores de Escrivá ou Giussani.
Intelectual,
o cardeal alemão promoveu com maestria a perseguição às idéias marxistas que
germinavam no seio de uma igreja influenciada pelos ventos do Concílio Vaticano
II. Calou e sufocou a Teologia da Libertação, expressão máxima de um
cristianismo que se voltou para os problemas sociais mais abjetos que o sistema
econômico capitalista proporcionou à humanidade. O diálogo inter-religioso, as
questões relativas à contracepção, à homossexualidade, ao divórcio, à misoginia
religiosa etc., certamente são temas que retrocederam durante o pontificado de
Ratzinger e Karol Wojtyla.
Para o
futuro da igreja, quiçá uma reforma teológica, que tange também uma
reestruturação da Cúria Romana, seja relativamente importante para a igreja
vestir-se de um discurso que se aproxime um pouco mais da realidade social e
cultural dos homens e que abarque, principalmente, a desolação do jovem da
atualidade. Esse catolicismo estéril dos octogenários não sustenta tampouco
atrai a juventude, hoje tão aculturada e limitada intelectualmente, propulsora
de uma era do imediatismo, da liberdade sexual e de valores (discutíveis) que
em nada se assemelham aos tradicionalismos de uma teologia de vinte séculos.
Revendo seu
papel social, talvez, a igreja possa emergir de um lodaçal que ela mesma se
atolou quando não soube de adequar à realidade global do mundo contemporâneo.
Voltar-se às necessidades basilares da sociedade atual, quem sabe seja o único
caminho para um catolicismo que diariamente perde fiéis para algumas
denominações neopentecostais que, diga-se de passagem, não são menos
conservadoras, mas são “legitimadas” por teorias absurdas ligadas à Teologia da
Prosperidade.
* Artigo publicado originalmente no jornal Gazeta de Votorantim de 23/02/2013.
* Artigo publicado originalmente no jornal Gazeta de Votorantim de 23/02/2013.
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