segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O milagre do dízimo

Por Fernando Grecco
“Acho difícil justificar que a fé seja imune a impostos quando outros itens, talvez ainda mais essências à vida, como alimentos e remédios, são às vezes pesadamente onerados...” (Hélio Scheartsman)

Os dados obtidos pela Folha de São Paulo, referentes à arrecadação das igrejas no Brasil, são, no mínimo, assombrosos. Por meio da Lei de Informação, a Receita Federal informa que só no decorrer do ano de 2011 o total angariado em recursos pelas entidades religiosas do País atinge a assustadora cifra de R$ 20,6 bilhões. Para efeitos comparativos, esse valor representa metade do orçamento de São Paulo, a sexta maior cidade do planeta. Trazendo para a nossa realidade, isso significa quase oitenta e sete vezes o orçamento de Votorantim.
Esses descalabros são alimentados por falhas absurdas na legislação brasileira. O artigo 150, VI, “b”, da Constituição Federal, que trata das imunidades e isenções tributárias dos templos religiosos, na verdade alimenta uma grande lavanderia de dinheiro. A isenção dos serviços religiosos talvez tenha sido, no passado, um importante instrumento para assegurar a liberdade de culto, bem como desassociar o Estado da Igreja e promover um laicismo relativamente importante. No entanto, hoje se tornou imprescindível uma revisão legal desse dispositivo, uma vez ser ele propulsor de aberrações, favoritismos e pior, de crimes que a sociedade há muito repele.
Um dos subprodutos dessa falha constitucional é o controle dos meios de comunicações, principalmente do audiovisual, por grupos políticos ligados a seitas religiosas que deixam bastante a desejar em termos de credibilidade. Assistimos na TV brasileira um assalto de programas de cunho religioso, esquecendo-se que a televisão, em se tratando de uma concessão pública, obrigatoriamente deve estar atrelada a questões de natureza social voltadas, principalmente, ao enriquecimento cultural da sociedade (enfim, tudo que até hoje não presenciamos). Assistimos com isso a um espetáculo de charlatanismo dos mais variados enredos. Sensacionalismo exacerbado, “milagres” que seriam cômicos não fossem trágicos, além de um apelo emocional e uma coerção na busca de contribuições financeiras que em muito se assemelham à prática de extorsão. Paralelo a tudo isso se observa também o massacre as religiões de ascendência africana, demonizando-as e alimentando veladamente a prática do racismo.
Outro fator que nos obriga a discutir o texto legal é o patrimônio acumulado de alguns “líderes religiosos” que bem conhecemos. A revista Forbes trouxe, em artigo recente, algumas informações sobre o patrimônio de figuras conhecidas no cenário religioso brasileiro. Segundo a matéria, Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus (preso em 1992 acusado de charlatanismo, lavagem de dinheiro e fraude), lidera o ranking possuindo um patrimônio aproximado de R$ 2 bilhões. Entre seus bens, está a Rede Record, a Folha Universal e um jato de R$ 92 milhões.
Na seqüência, Valdomiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus (que também foi preso em 2003 na posse de uma escopeta, duas carabinas e munições), aparece com um patrimônio de R$ 450 milhões. Silas Malafaia, da Assembléia de Deus, é o terceiro milionário contando com R$ 300 milhões. Romildo Ribeiro Soares, ou R. R. Soares, aparece com R$ 255 milhões em bens. E o casal Estevam e Sônia Hernandes, da Renascer em Cristo, com R$ 133 milhões (lembrando que o casal foi preso nos EUA quando tentava adentrar o país com dólares não declarados no interior de um bíblia, além de ambos terem a prisão preventiva decretada no Brasil por lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e estelionato).
Essa tem sido a contribuição da Carta Magna quando permite que pessoas de intenções duvidosas se valham de uma benesse da legislação para edificar verdadeiros impérios políticos e econômicos. Esse é o legado que está sendo deixado por algumas instituições “cristãs”. Valem-se da ignorância e da aculturação de um povo pobre, miserável, que sonha e almeja, um dia, sobreviver com o mínimo de dignidade nem que, para isso, seja necessário “doar” tudo que possui a um líder magníloquo e mentiroso.

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