segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

A apologia do fútil*

“Invejo a burrice, porque ela é eterna...” (Nelson Rodrigues)

Há de se ter expressiva prudência ao analisar o nível intelectual e o grau de politização da sociedade brasileira em tempos atuais. Evidentemente, o abandono intelectual que a população sofreu ao longo de sua existência, com pequena alteração dessa realidade nos últimos anos, é suficiente para explicar todas as escabrosidades da vida brasileira. Os vícios, a corrupção, a balbúrdia social e o colapso das estruturas socioeconômicas do País são o sustentáculo de uma realidade hostil o suficiente para gerar milhões de alienados políticos e aculturados do sistema. De um modo claro, exemplificaremos um episódio recente que, sem sombras de dúvidas, evidencia um baixíssimo grau de politização da nossa sociedade.

Há poucos dias, a internet noticiou o fato de um jovem ter disponibilizado na rede diversas imagens de sua namorada em situações libidinosas, gravadas durante a intimidade do referido casal. Segundo algumas fontes dos diversos sites que noticiaram com entusiasmo o episódio, o jovem estava desiludido com uma eventual traição praticada pela sua companheira e, diante disso, teria publicado as imagens como forma de vingança. Pois bem, o fato em si, além de certamente modificar para sempre a vida da garota exposta de maneira criminosa, ajuda-nos a refletir sobre aquilo que realmente interessa aos internautas brasileiros.

Em poucas horas, as redes sociais firam tomadas por imagens e pérolas da idiotice declarada. Centenas de “compartilhadores” comentavam com absoluto interesse e com riqueza de detalhes todas as informações que pudessem polemizar ainda mais tudo aquilo que, para Karina (esse é o nome da garota), era a maior tragédia de sua vida. O gosto pelo drama alheio parece intrínseco à condição humana, no entanto, o fascínio pelo escândalo parece resultar de uma falta absurda de bom-senso e caráter. Além disso, a futilidade do tema aliada a um interesse incomensurável por parte do público explica todo primitivismo intelectual e moral que impera sobre nós.

Contemporâneo ao episódio em que a vida de Karina era destruída pelos internautas brasileiros, a Palestina era dizimada pelas tropas israelenses na Faixa de Gaza, bem como os índios Guarani-Kaiowás eram mortos e perseguidos pelos latifundiários brasileiros. No entanto, vimos a raríssimas manifestações referentes a esses problemas. Por que será? Talvez pelo fato de nossas opiniões serem as piores possíveis: tendenciosas, parciais e sem nenhum vestígio de inteligência.

Nossas atenções, em sua maioria, se voltam para o sensacionalismo barato da televisão, para o escândalo do estupro, do latrocínio, do sexo explícito. O bombardeio de frivolidades, como novelas, futebol, programas de auditório que exploram diariamente a miséria de nosso povo, constrói e nutre personalidades controvertidas, conflitantes em sua essência. Essa indústria de aberrações que está plenamente estabelecida é um sinal notório que não sairemos com tanta facilidade dessa escuridão intelectual a qual nos imergimos.

Por isso, e por outros infinitos exemplos, o otimismo em relação à condição humana é relativamente discutível. Para Epicuro, que afirmava que os males que atormentam o espírito humano podem ser vencidos, resta-nos a descrença quase total em sua assertiva, deixando, talvez, maior credibilidade para Schopenhauer, que pregava que esse é o pior dos mundos possíveis e nada pode ser feito a respeito.

* Publicado no jornal Folha de Votorantim em 4/12/12.

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