(José Dirceu)
O julgamento político da Ação Penal 470 sem dúvida insere-se em um processo golpista que tem início nos idos de 2005, com a desprezível figura de Roberto Jefferson. Nesse caso, a imprensa brasileira, especialista em transgressão da ética jornalística, teve um papel primordial de acusação, julgamento, condenação e escracho público de líderes históricos da esquerda. Em todos os movimentos políticos que culminaram em guerra civil, golpe e assassinatos, a mídia do País esteve pronta para cooperar com os transtornos e prejuízos da sociedade.
A história nos exemplifica, em diversas ocasiões, métodos de ruptura da ordem institucional através de manobras espúrias de tomada de poder à força. No Brasil, essa prática é verificada logo com a proclamação da República pelos militares positivistas, no Estado Novo com Vargas e com o fatídico episódio de 31 de março de 1964. Em todo e qualquer exemplo verificamos que, primeiramente, os golpistas constroem um pano de fundo político que “justifica” a derruba de governos eleitos. Os argumentos, sempre descarados e sem propósitos, nunca tocam realmente nas verdadeiras razões que levam as elites a patrocinarem essas práticas, que são, obviamente, os motivos de natureza econômica.
Há de se ter sensibilidade para fazer uma leitura do atual cenário político brasileiro e enxergar que uma manobra vem sendo arquitetada para aniquilar, de vez, com qualquer resquício de partido mais identificado com as causas sociais. Em 2005, quando Roberto Jefferson assumiu a cátedra dos paladinos da moralidade ao denunciar compra de parlamentares para garantir a “governabilidade”, o mesmo só tinha o propósito de desestabilizar o governo, já que o Partido dos Trabalhadores sinalizava que nas eleições de 2006 faria uma maioria histórica no Congresso, o que seguramente não seria interessante para os udenistas travestidos de progressistas que contaminam o legislativo brasileiro.
Atualmente – quando o Supremo Tribunal Federal coaduna-se com as elites, com a imprensa golpista e com partidos que representam unicamente aos interesses de banqueiros, ruralistas e grandes industriais – a Corte presta o seu maior desserviço à frágil democracia brasileira. Ironicamente, o julgamento dos acusados vem à tona em meio à turbulência das eleições municipais deste ano, induzindo resultados e gerando uma evidente instabilidade política a nível municipal. Diante dessa novela, verificamos que diversos acontecimentos relacionados à Ação Penal 470 vão moldar a vida política do País pelo menos até 2014, onde certamente as eleições à Presidência, aos governos estaduais e às casas legislativas sofrerão influência negativa da imprensa.
É notório que esse decorrer dos fatos – aliado a um julgamento meramente político dos acusados – corrobora uma ameaça às instituições. Bem mais sofisticadas e inteligentes se comparado à prática tradicional de golpe civil-militar-empresarial como vimos em 1964, as forças golpistas da atualidade estão diluídas, dispersas em redações de jornais, no áudio visual e na vida cotidiana da sociedade brasileira.
No entanto, muito embora o inimigo não esteja tão evidente, mesmo engendrando um ambiente de conspiração, sabemos que o seu interesse não difere em nada daquelas manifestados em 1964. São os interesses da classe dominante, que tem horror aos pobres e às políticas públicas voltadas a abolir a condição de miséria em que vivem. São os interesses de capitalistas violentos que se eternizam na tentativa de perpetuar a concentração de renda, reprimindo e eliminando todo e qualquer movimento social que seja uma ameaça aos seus privilégios.
Até aqui, e por tudo que ainda pode vir, fica uma indagação à esquerda brasileira: Até que ponto foi compensatório aliar-se com a direita para chegar ao poder?
*Publicado no jornal Folha de Votorantim em 18/12/2012.
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