sábado, 2 de fevereiro de 2013

O alto preço da liberdade*

   Por Fernando Grecco
  O projeto de lei 4.211/12, de autoria do deputado federal Jean Wyllys (Psol/RJ), batizado de “Lei Gabriela Leite”, parece impacientar, mais uma vez, a ala mais conservadora do Congresso Nacional. Natural que assim o seja, uma vez que, se aprovado, a proposta regulamenta a prostituição no Brasil, assegurando às profissionais do sexo o direito ao trabalho voluntário e remunerado. Conseguintemente, as benesses previdenciárias, como aposentadoria especial com 25 anos de trabalho, seriam merecidamente contempladas. O PL, que pode ser lido na íntegra no sítio eletrônico da Câmara dos deputados, é zeloso em condenar a exploração sexual, garantindo para as profissionais o trabalho de forma autônoma ou em cooperativas.
  Aproximando-se da lei alemã “Gesetz zur Regelung der Rechtsverhältnisse der Prostituierten – Prostitutionsgesetz – Prost” – e das duas fracassadas tentativas brasileiras de se regulamentar a atividade com projetos dos deputados Fernando Gabeira e Eduardo Valverde –, a propositura em questão visa a atender preceitos constitucionais básicos. A evolução das políticas públicas de afirmação e a tendência a enriquecer os conceitos humanistas que norteiam os textos constitucionais evidentemente desembocam em legislações dessa natureza, cujo único objetivo é garantir direitos básicos àqueles que, mesmo após a difusão dos ideais iluministas, ainda são obrigados a sobreviver à margem da sociedade, suportando os mais degradantes e cruéis preconceitos.
   Havemos de distinguir, evidentemente, a prostituição que se origina da miséria, da opressão do sistema econômico, daquela que é produto único e exclusivo da vontade pessoal da mulher (ou do homem, em percentual reduzido). A primeira, enquanto subproduto de uma forma organizacional absurda da sociedade – baseada em uma economia que sustenta uma pirâmide por demais desigual e nefanda – deve ser tratada enquanto problema de natureza especificamente social. Isso toca a questões sérias de distribuição de renda, uma vez a prostituição como determinação social estar inserida no rol de enfermidades que o capitalismo fatalmente proporciona à humanidade.
    O segundo caso, ao que consta, parece ser justamente onde a propositura do deputado almeja atender. A prostituição enquanto livre escolha, seja pelas vantagens econômicas muitas vezes surpreendentes ou pelo simples prazer de satisfazer a lascívia de outrem (ou, mais lógico, por ambos os motivos), é exatamente de onde se deve partir a discussão para analisar o projeto de maneira arguciosa. Para tanto, necessitamos nos desprender das amarras da hipocrisia, de uma moralidade fingida e artificial que é imposta por uma tradição de estirpe judaico-cristã que há séculos tem sido o alicerce da nossa limitação intelectual. Foucault parece bem definir a conceituação conservadora do sexo na atualidade: “o que é próprio das sociedades modernas não é o terem condenado o sexo a permanecer na obscuridade, mas sim o terem-se devotado a falar dele sempre, valorizando-o como o segredo”.
    A demagogia dos discursos moralistas (algumas vezes de cunho religioso), ao longo dos séculos, promoveu perseguições, mortes e todas as formas de violência possíveis às prostitutas, jamais distinguindo àquelas que eram produto da conjuntura social miserável a que estavam submetidas, de outras que, por livre opção, dedicavam-se a mais antiga e requisitada das profissões. Desmistificando os conceitos mais grotescos que a cretinice humana já concebeu, não é a prostituta que provoca no homem o desejo pelos prazeres carnais, a luxúria (um dos sete “pecados” capitais para os ortodoxos), mas o homem que, em sua perfeita natureza, é dotado do maior impulso que move o universo, que é o da preservação da espécie, sendo maior, inclusive, que a preservação do próprio indivíduo.
    É fato que impérios se levantaram, foram destruídos e transformados, sociedades foram erigidas e extintas por inteiro e, ainda assim, a prostituição atravessou os séculos enfrentando o preconceito e a hipocrisia. Destarte, diante de toda animosidade, perseguição e ódio, as prostitutas sobrevivem como uma necessidade histórica e biológica do homem, uma vez sua natureza poligâmica ser constantemente reprimida e sufocada por imposições sociais que, além de absurdas, vão de encontro à verdadeira natureza humana. Desse modo, a prostituta se esmera na arte da fantasia, no artifício de refugiar seres humanos de uma realidade hostil e antinatural onde diariamente são violentados nas suas necessidades e compelidos a práticas que, por vontade própria, jamais aceitariam.
    Dotadas de sensibilidade, das fraquezas humanas, as prostitutas se expõem frágeis frente a um sistema que sufoca, prejulga e as condena a mais miserável de todas as condições: a da exclusão. Atrás da sensualidade de quem vende uma fantasia, há um histórico de sofrimento, marginalização, injustiça e um alto preço sendo pago pela conquista da liberdade. Por isso, e para amortizar a aflição proveniente do preconceito, nada mais justo que a legislação abrigue àquelas cujo único pecado é atender às necessidades da própria humanidade que as condena.

*Artigo editado para edição do jornal Gazeta de Votorantim de 02/02/2013

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