terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O autêntico cristianismo a favor dos excluídos

Por Fernando Grecco
"Como os pássaros, que cuidam de seus filhos ao fazer um ninho no alto das árvores e nas montanhas, longe dos predadores, das ameaças e dos perigos e mais perto de Deus, devemos cuidar de nossos filhos como um bem sagrado, promover o respeito a seus direitos e protegê-los". (Parágrafo final da última palestra da Dra. Zilda Arns Neumann - Haiti, 2010)

Em 1983, Zilda Arns Neumann e dom Geraldo Majella Agnelo, profundamente influenciados pelas teorias da Teologia da Libertação, organizaram a Pastoral da Criança. Não há, aqui, necessidade de expôr detalhadamente o trabalho dessa entidade, uma vez que sua notoriedade é reconhecida e venerada em todo o mundo.

O que nos interessa no momento é discorrer sobre a morte (trágica) de uma figura singular em nossa história. Zilda dedicou uma vida em prol dos excluídos. Não se limitou a discursos acoplados à Igreja, à questão espiritual propriamente dita, mas procurou abarcar pessoas de todos os credos, etnias e, especialmente, de variadas condições financeiras, a fim de se instituir uma consciência universal sobre a necessidade em se dar atenção às políticas humanitárias. Destacam-se alguns lauréis angariados por Zilda ao longo de sua vida, como o Opus Prize (EUA), em 2006 e o prêmio "Heroína da Saúde Pública das Américas", concedido pela OPAS, em 2002, entre outros.

Não se trata apenas de um mártir no prélio por direitos socias, mas sim de propósitos cristãos fidedignos, perfeitamente coerentes com a essência cristã de igualdade e fraternidade. Sob violenta influência do marxismo (nesse mesmo sentido social), as pastorais ganharam proeminência dentro da Igreja Católica, dando ascendência a uma ala que podemos denominá-la de esquerda.

Não é demasia dizer que uma nova Reforma se sucedeu no seio da Igreja de Roma – mais especificamente nas igrejas latino-americanas – sendo dessa vez mais presente o discurso de cunho socialista. É nítido que essa ala mencionada se distingue do restante da Igreja, uma vez que impregnou no seu discurso um forte apelo às questões sócio-econômicas do País e da América Latina.

É inegável que a teologia cristã se preocupou, durante séculos, com uma filosofia tão subjetiva que parecia abastrata. É assim na Cidade de Deus de Agostinho de Hipona, uma realidade transcendental, metafísica, que nos leva às nuvens, aos céus, mas nos deixa fora, no sentido prático, da nossa realidade quotidiana.

Foi essa inversão de conceitos, anunciada pela Teologia da Libertação, que permitiu que as Pastorais ganhassem força política, destaque dentro e fora do País. O discurso realista lhe rendeu bem mais confiabilidade se comparada a muitos segmentos da Igreja, como bem define Alexandre Marques Cabral, professor de filosofia da faculdade de teologia Redemptoris Mater – Macaé/RJ: “A chamada Teologia da Libertação está inserida nesta última fase do pensamento ocidental que destacamos: fase da valorização da história, da cultura e da diversidade de formas de manifestação do encontro do homem com Deus.”

Voltando à pessoa de Zilda, concluimos que a mesma deixa um espólio de lutas contra a opressão, a tirania e o descaso com a população de baixa renda. Representa, juntamente com o notável dom Paulo Evaristo Arns, um emblema na luta contra a ditadura militar, nunca exitando em se contrapor a questões tradicionais da Igreja de Roma, e isso, com certeza, derivou da concretude de suas idéias e propósitos.

Zilda é digna de um artigo prolixo, abarrotado de consagrações, louvores, mas não é essa a finalidade. O que nos interessa é ter plena convicção que, nesse mundo contaminado pelas mesquinharias capitalistas, ainda existem pessoas (poucas, obviamente) que sabem interpretar a rigor a verdadeira mensagem Cristã de acolhimento ao próximo. E é essa certeza que serve como lenitivo às nações mais pobres do planeta.

O ideário revolucionário não morre com Zilda, pelo contrário, encontra-se cada vez mais presente na alma de cada miserável que vive abaixo da linha do Equador. A médica se foi, mas, como bem disse dom Geraldo Lyrio Rocha, presidente da CNBB, “quantos estão vivos graças à perseverança da Drª Zilda?”.

Obs.: Ao menos, a senhora Arns teve funeral e enterro digno, bem distinto se comparado à maioria dos haitianos, os quais estão apodrecendo em via pública. Mas alguém se importa? Não é nenhum país rico da Europa, logo, só serve para estatística.

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