“Para quem vive na guerra, a paz
nunca existiu...” (Racionais Mc’s)
Os clichês das datas
comemorativas consistem em tolices dos mais diversos gêneros. Transmitida a
gerações, a imbecilidade toma forma, cristalizando-se em nosso meio e
integrando o rol de obviedades que repetimos diariamente acreditando que são produtos
de um pensamento evoluído. Não é. Os chavões quase sempre se inserem em um
contexto econômico dos mais abomináveis. É assim no Natal, dia das mães, pais e
namorados. E, cinicamente, também é assim no dia das crianças.
Segundo a Organização
Internacional do Trabalho (OIT), aproximadamente 218 milhões de crianças e
adolescentes (de 5 a 17 anos) trabalham no mundo, dentre os quais 126 milhões labutam
em atividades perigosas. Para essas crianças, não há nada a comemorar, tampouco
a data de hoje representa algo significativo para elas. Vivem à margem,
discriminadas, impedindo a naturalidade de sua evolução física e psicológica e
deixando cicatrizes indeléveis às suas vidas.
Outro dado curioso que a
publicidade do consumo não traz nessa data toca à prostituição infantil. Só no Brasil,
segundo estudos do Ministério da Justiça, quase 20% dos municípios enfrentam
sérios problemas com a exploração sexual de crianças e adolescentes. A situação
se agrava na região Nordeste, onde 32% das cidades registram esse problema de
modo crônico. Certamente, para as vítimas do turismo sexual, o dia das crianças
está muito além de suas realidades e não serão alguns brinquedos supérfluos que
apagarão de suas memórias toda sorte de violência contra seus corpos.
Somente a Somália, Mali, Níger e
Afeganistão registram taxas de mortalidade infantil que ultrapassam o número
assustador de 100 mortes a cada mil nascimentos. E os países “desenvolvidos”
adotaram quais políticas humanitárias para amenizar esse quadro aterrador que
assola o continente africano? A resposta é a indiferença. Essas crianças não
interessam ao capitalismo. São crianças negras e pobres que morrem de
subnutrição em regiões paupérrimas de recursos. A elas, nenhuma lembrança nesse
dia.
A quem interessa, então, o dia das crianças?
Talvez à indústria de brinquedos que só em 2012 faturou, no Brasil,
aproximadamente R$ 3,87 bilhões. Talvez à classe média, hipócrita, que na vida
doméstica proclama o discurso da civilidade, mas na vida pública se apresenta
com elevado grau de brutalidade, preconceito e indiferença social. Por fim,
talvez o dia das crianças também possa interessar a quem opta por educar seus
filhos em sintonia com uma sociedade autoritária e doente que, de maneira
violenta, nega às crianças seu direito natural de crescerem de modo saudável,
longe da truculência peculiar do sistema econômico.
* Artigo publicado no jornal Gazeta de Votorantim de 12/10/2013
* Artigo publicado no jornal Gazeta de Votorantim de 12/10/2013
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