sábado, 12 de outubro de 2013

Dia das crianças? E dai?*

“Para quem vive na guerra, a paz nunca existiu...” (Racionais Mc’s)



   Os clichês das datas comemorativas consistem em tolices dos mais diversos gêneros. Transmitida a gerações, a imbecilidade toma forma, cristalizando-se em nosso meio e integrando o rol de obviedades que repetimos diariamente acreditando que são produtos de um pensamento evoluído. Não é. Os chavões quase sempre se inserem em um contexto econômico dos mais abomináveis. É assim no Natal, dia das mães, pais e namorados. E, cinicamente, também é assim no dia das crianças.
   Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), aproximadamente 218 milhões de crianças e adolescentes (de 5 a 17 anos) trabalham no mundo, dentre os quais 126 milhões labutam em atividades perigosas. Para essas crianças, não há nada a comemorar, tampouco a data de hoje representa algo significativo para elas. Vivem à margem, discriminadas, impedindo a naturalidade de sua evolução física e psicológica e deixando cicatrizes indeléveis às suas vidas.
   Outro dado curioso que a publicidade do consumo não traz nessa data toca à prostituição infantil. Só no Brasil, segundo estudos do Ministério da Justiça, quase 20% dos municípios enfrentam sérios problemas com a exploração sexual de crianças e adolescentes. A situação se agrava na região Nordeste, onde 32% das cidades registram esse problema de modo crônico. Certamente, para as vítimas do turismo sexual, o dia das crianças está muito além de suas realidades e não serão alguns brinquedos supérfluos que apagarão de suas memórias toda sorte de violência contra seus corpos.
   Somente a Somália, Mali, Níger e Afeganistão registram taxas de mortalidade infantil que ultrapassam o número assustador de 100 mortes a cada mil nascimentos. E os países “desenvolvidos” adotaram quais políticas humanitárias para amenizar esse quadro aterrador que assola o continente africano? A resposta é a indiferença. Essas crianças não interessam ao capitalismo. São crianças negras e pobres que morrem de subnutrição em regiões paupérrimas de recursos. A elas, nenhuma lembrança nesse dia.

   A quem interessa, então, o dia das crianças? Talvez à indústria de brinquedos que só em 2012 faturou, no Brasil, aproximadamente R$ 3,87 bilhões. Talvez à classe média, hipócrita, que na vida doméstica proclama o discurso da civilidade, mas na vida pública se apresenta com elevado grau de brutalidade, preconceito e indiferença social. Por fim, talvez o dia das crianças também possa interessar a quem opta por educar seus filhos em sintonia com uma sociedade autoritária e doente que, de maneira violenta, nega às crianças seu direito natural de crescerem de modo saudável, longe da truculência peculiar do sistema econômico.

* Artigo publicado no jornal Gazeta de Votorantim de 12/10/2013

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