quinta-feira, 17 de outubro de 2013

O esquerdismo agoniza*

“O esquerdista prefere a comodidade de sua biblioteca a misturar-se com esse pobretariado que nunca chegará a ser vanguarda da história...” (Frei Betto)

A esquerda desfalece diariamente. Ela vem sofrendo uma crise estrutural que a transforma e a aconchega pouco a pouco nas garras tirânicas do capitalismo. A culpa, se analisarmos a fundo, não é da esquerda, mas sim dos esquerdistas, aqueles que mergulharam e fizeram pétrea a palavra de mentores marxistas, abjurando qualquer hermenêutica que não esteja ligada em suas origens às explanações mais remotas da sociedade. Esses esquerdistas sofrem, ainda, como apregoava Lênin, da doença infantil do comunismo.      
Após a queda do socialismo real no leste europeu, pululam agentes que se autodenominam legítimas lideranças de esquerda. Não eram. Prova disso é que a maioria, hoje, esgarçou-se de suas origens, seja intelectual ou proletária, para vivenciar um estilo de vida bem semelhante àqueles condenáveis burgueses que tanto foram alvos de enxovalhos. Pior, a cúpula dos partidos à esquerda angariou glória à custa da aproximação da máquina pública. Esse fenômeno não é prerrogativa brasileira, pois, com raras exceções, vimos práticas semelhantes em diversos países, principalmente no continente americano. 
O fato é que os esquerdistas – portadores daquela auréola que em muito colabora para a dissimulação – perderam toda sua referência. Classificar-se como marxista não faz de ninguém uma pessoa de esquerda. É preciso observar sua interpretação sobre os movimentos sociais como MST, seus conceitos sobre a Revolução Cubana ou Bolivariana, suas posições sobre a união civil de homossexuais ou sobre a problemática do aborto, a defesa inquestionável do meio ambiente e suas alegações peremptórias em relação à política genocida de Israel contra os palestinos, por exemplo.
A prática mostrou a diferença categórica entre um real militante da esquerda e àquele oportunista demagogo muitas vezes de retórica eloquente, mas contraditório na defesa verdadeira da justiça e igualdade social. Essa última classe, incontestavelmente, foi responsável pela desvirtuação dos princípios sociais que deveriam nortear o pensamento da esquerda e conduzir as políticas públicas em todas as suas esferas. Assim se imaginava uma sociedade mais equilibrada, sendo o pensamento crítico da esquerda um sustentáculo fundamental para essa realidade. Infelizmente, boa parte daqueles que eram portadores dessa “missão” optou por utilizar os meios políticos para se igualar a elite financeira que tanto combatiam.
O que restou da esquerda, então? Algumas personalidades isoladas, vozes dissonantes, talvez, que sequer encontram espaço dentro de partidos históricos. Assim, refugiam-se muitas vezes em siglas inexpressivas com o objetivo de garantirem alguma representatividade, muito embora sejam, na maioria das vezes, devorados pelas grandes tendências políticas. Infelizmente, a atualidade demonstra que os esquerdistas (maioria) estacionaram na utopia de um socialismo caricato dos anos de 1950, mas que serviu muito bem como trampolim para ascensões sociais que são no mínimo contraditórias.
Nessa pândega de interesses baixos, as classes abastadas prosseguiram ininterruptas em seus privilégios, pois descobriram que a máxima de Nelson Rodrigues, a qual dizia que “o dinheiro compra tudo, até os amores verdadeiros”, também vale, e muito, para boa parte daqueles que se classificam como sendo de esquerda.

* Artigo publicado no jornal Folha de Votorantim em 17/10/2013

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