“O
esquerdista prefere a comodidade de sua biblioteca a misturar-se com esse
pobretariado que nunca chegará a ser vanguarda da história...” (Frei Betto)
A esquerda desfalece diariamente. Ela vem sofrendo uma
crise estrutural que a transforma e a aconchega pouco a pouco nas garras
tirânicas do capitalismo. A culpa, se analisarmos a fundo, não é da esquerda,
mas sim dos esquerdistas, aqueles que mergulharam e fizeram pétrea a palavra de
mentores marxistas, abjurando qualquer hermenêutica que não esteja ligada em
suas origens às explanações mais remotas da sociedade. Esses esquerdistas
sofrem, ainda, como apregoava Lênin, da doença infantil do comunismo.
Após a queda do socialismo real no leste europeu,
pululam agentes que se autodenominam legítimas lideranças de esquerda. Não
eram. Prova disso é que a maioria, hoje, esgarçou-se de suas origens, seja
intelectual ou proletária, para vivenciar um estilo de vida bem semelhante
àqueles condenáveis burgueses que tanto foram alvos de enxovalhos. Pior, a
cúpula dos partidos à esquerda angariou glória à custa da aproximação da
máquina pública. Esse fenômeno não é prerrogativa brasileira, pois, com raras
exceções, vimos práticas semelhantes em diversos países, principalmente no
continente americano.
O fato é que os esquerdistas – portadores daquela
auréola que em muito colabora para a dissimulação – perderam toda sua referência.
Classificar-se como marxista não faz de ninguém uma pessoa de esquerda. É preciso
observar sua interpretação sobre os movimentos sociais como MST, seus conceitos
sobre a Revolução Cubana ou Bolivariana, suas posições sobre a união civil de
homossexuais ou sobre a problemática do aborto, a defesa inquestionável do meio
ambiente e suas alegações peremptórias em relação à política genocida de Israel
contra os palestinos, por exemplo.
A prática mostrou a diferença categórica entre um real
militante da esquerda e àquele oportunista demagogo muitas vezes de retórica
eloquente, mas contraditório na defesa verdadeira da justiça e igualdade social.
Essa última classe, incontestavelmente, foi responsável pela desvirtuação dos
princípios sociais que deveriam nortear o pensamento da esquerda e conduzir as
políticas públicas em todas as suas esferas. Assim se imaginava uma sociedade
mais equilibrada, sendo o pensamento crítico da esquerda um sustentáculo
fundamental para essa realidade. Infelizmente, boa parte daqueles que eram
portadores dessa “missão” optou por utilizar os meios políticos para se igualar
a elite financeira que tanto combatiam.
O que restou da esquerda, então? Algumas
personalidades isoladas, vozes dissonantes, talvez, que sequer encontram espaço
dentro de partidos históricos. Assim, refugiam-se muitas vezes em siglas
inexpressivas com o objetivo de garantirem alguma representatividade, muito
embora sejam, na maioria das vezes, devorados pelas grandes tendências
políticas. Infelizmente, a atualidade demonstra que os esquerdistas (maioria) estacionaram
na utopia de um socialismo caricato dos anos de 1950, mas que serviu muito bem como
trampolim para ascensões sociais que são no mínimo contraditórias.
Nessa pândega de interesses baixos, as classes abastadas
prosseguiram ininterruptas em seus privilégios, pois descobriram que a máxima
de Nelson Rodrigues, a qual dizia que “o dinheiro compra tudo, até os amores
verdadeiros”, também vale, e muito, para boa parte daqueles que se classificam
como sendo de esquerda.
* Artigo publicado no jornal Folha de Votorantim em 17/10/2013
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