domingo, 15 de dezembro de 2013

Pele branca, alma turva

Por Fernando Grecco
“Mesmo depois de abolida a escravidão
Negra é a mão 
De quem faz a limpeza...”
(Gilberto Gil)

Encerramos o mês da consciência negra com a certeza absoluta de que o discurso tolo da igualdade racial nada mais é do que um engodo politicamente correto. Na prática, o racismo impera como algo intrínseco à nossa condição humana paradoxal, limitada, e com pouca disposição para digerir, até hoje, conceitos iluministas que tocam à dignidade da pessoa humana e que por bem deveriam influenciar uma educação mais conscientizadora.
Muito embora as políticas afirmativas tenham alcançado certo prestigio na medida em que visa corrigir distorções históricas, ainda assim o que predomina nas classes mais baixas são pessoas de tez negra, o que evidencia que as oportunidades não são, nem de longe, iguais para todos. Propagam-se muitas bandeiras de igualdade racial, muitas vezes com interesses políticos dos mais abjetos imagináveis, mas o mínimo de respeito e aceitação está muito longe de ser uma realidade em nosso meio.  
Aos negros, estão destinados, ainda, os piores empregos, as submoradias, a condenação e, muitas vezes, de forma injusta, a cadeia. O racismo está no dia a dia da sociedade. Ele está presente, pairando, compondo os enredos, selecionando, separando e distanciando seres humanos. Ele é a mola propulsora de uma sociedade inteiramente hipócrita em suas profundezas, segregacionista e com fortes tendências ao despotismo.  
Foi assim. E permanece da mesma forma. O que mudou é a preleção, a falsidade extrema em se propagar uma realidade que não habita sequer o sonho de discriminados e discriminadores. Ao branco consciente, fica somente a paz interior dessa consciência. Nada além da não sensação de culpa, o que não deixa de ser cínico e absolutamente omisso.
Assim, a sociedade vive em conformidade com o embuste, acreditando que vivemos em uma democracia racial onde a herança colonial não mais influencia negativamente as relações sociais entre etnias distintas. É a mentira mais imunda que conhecemos na pós-modernidade. Todos sabem que o ódio racial se origina nas estruturas educacionais, repassado a gerações e alimentado por políticas elitistas que interessam manter o negro em condições paupérrimas de sobrevivência.
A mídia, nesse caso, é a grande propulsora de uma cultura racista, nutrindo de maneira subliminar ou direta conceitos que claramente aludem a uma superioridade branca. Dessa forma, estamos à deriva, permitindo que o discurso flutue ao sabor do vento, esquecendo de observar que a única diferença em relação ao negro da senzala se comparado com o negro da favela reside no fato do segundo acreditar que não é mais escravo.

*Artigo publicado no jornal Folha de Votorantim de 07/12/2013.

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