domingo, 28 de junho de 2015

Na contramão

“É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais...” (art. 23, IX, Constituição Federal)

            Resultado dos equívocos na condução da política econômica, os programas habitacionais do governo abalam preocupantemente o setor imobiliário. A instabilidade do cenário político com nefastos reflexos à economia é o conúbio perfeito para se fertilizar um ambiente de incertezas.
            Em crise desde setembro passado, o setor imobiliário foi afetado não só pelo ajuste fiscal, mas, sobretudo, pela política monetária do governo. Em especial no programa “Minha Casa Minha Vida”, principal trunfo do governo petista, sentimos as sequelas da redução orçamentária de 18,6 bilhões para os atuais 13 bilhões de reais. Não obstante, os financiamentos oriundos do SBPE sofreram um impacto significativo com a fuga de mais de 30 bilhões de reais da caderneta de poupança.
            Embora haja reação do governo no fim de maio na tentativa de minimizar os calamitosos impactos da crise imobiliária – haja vista a garantia de isenção das letras de crédito imobiliário, o aporte de 5 bilhões de reais ao Programa Pró-Cotista e a liberação por parte do Conselho Monetário Nacional de 22,5 bilhões de reais do compulsório dos bancos –, ainda assim é razoável verificar que o futuro é bastante improvável e por demais obscuro.
            Nesse sentido, a construção civil enfrenta um duro golpe diante da queda do índice de confiança (recuo de 5,1% entre abril e maio segundo a FGV/Ibre). A inacessibilidade ao crédito foi o principal fator dessa variação e, sobre isso, compreendam-se as elevações na taxa de juro e as restrições impostas pela Caixa Econômica Federal diante da redução significativa dos depósitos em poupança. 
            Na esteira do oportunismo, os bancos privados tentam complementar hiatos deixados pelo maior agente financeiro em crédito imobiliário do País. Com juros exorbitantes na ordem de 11% ao ano, a casa própria vê-se retraída diante da instabilidade econômica e da fragilidade política que o governo atravessa. Nisso, os programas habitacionais, que vinham sendo o fator principal de uma relativa mudança na estrutura social brasileira, sofrem com a ameaça real do fim do seu período de glória.

     Fernando Grecco, pós-graduado em gestão de projetos, é diretor da BR Empreendimentos. 
      www.fergrecco.blogspot.com

domingo, 19 de outubro de 2014

A esquerda de mentira

“Ao invés de construir um socialismo democrático, libertário, contemporâneo, o PSB optou por abraçar o passado, o atraso, representado pela socialdemocracia de direita.
(Roberto Amaral, ex-presidente do PSB)

Historicamente, verifica-se que a divisão da esquerda contribuiu, notadamente, para a ascensão de governos totalitários à direita no espectro político. Foi assim na Europa no decorrer do século XX, e não é diferente hoje na América Latina.
No caso do Brasil atual, verificamos que a esquerda ressentida, fracassada social e politicamente, quando se encontra vulnerável, tem uma tendência bastante particular em fortalecer a direita. Essa disputa interna em partidos da esquerda é um sinal inequívoco da falta de coerência, ou, até mesmo, da falta de honestidade e caráter de muitas lideranças que, ao menos em tese, levantam bandeiras sociais dignas de credibilidade.
Marina Silva é um exemplo típico da falta completa de senso. Inicialmente, parte integrante do Partido dos Trabalhadores, sua inconsistência ideológica a conduziu para a fracassada tentativa de engendrar um partido político que, na teoria, seria algo novo e jamais visto na história: a Rede. De tão “inovador”, o partido que prega “sustentabilidade” era composto por classes sociais que jamais poderiam defender qualquer equilíbrio socioambiental, visto sobreviverem da degradação e da exploração da massa trabalhadora.
Não obstante seu discurso pífio, vazio ideologicamente, e bastante confuso para classificá-lo, Marina Silva conseguiu a proeza de se aliar a setores dos mais reacionários e atrasados da política brasileira, simbolizado hoje pela candidatura de Aécio Neves. Do PT de origem ao PSDB de hoje, Marina é o exemplo maior de tudo aquilo que devemos abominar na política: o oportunismo e a mentira.

Derrotada pelas urnas e pela sua consciência, Marina é o contrassenso e o despropósito, o anacronismo personificado. Travestida de santa, ela representa tudo aquilo que o analfabetismo político alimenta há séculos. Hoje, ela se empenha na tentativa de trazer de volta às decisões políticas figuras como Armínio Fraga e outras, o que significa dizer, inevitavelmente, que Marina sempre foi uma farsa...   

domingo, 15 de dezembro de 2013

Até quando?

"As ditaduras fomentam a opressão, o servilismo, a crueldade; mas o mais abominável é que elas fomentam a idiotia." (Jorge Luis Borges) 

Estamos nos aproximando do cinquentenário do golpe civil-militar de 1964. Há, ainda, muitos resquícios desse período obscuro, o qual foi patrocinado por alguns agentes que ainda hoje estão infiltrados na política brasileira. Mas ao lado da herança autoritária e do caos social que a ditadura nos relegou, reina, em alguns setores da sociedade, um saudosismo estúpido que em muito se confunde com a ignorância ou com a simples definição de psicopatia. 
Votorantim exemplifica, como poucos, o quanto o retrocesso político está presente em nosso meio. Até hoje, após 50 anos de um movimento político que estuprou a constituição e violou profundamente direitos humanos e conquistas sociais, a avenida principal de nossa cidade homenageia abertamente o famigerado trinta e um de março. Manter essa condição, ainda hoje, é demonstrar sem equívocos que o atraso político e cultural enraizou-se em nosso território, corroendo invariavelmente o que resta do bom senso e do espírito crítico. 
Governos progressistas passaram pela cidade, elegemos vereadores de credibilidade que, muito embora fossem a minoria da minoria, poderiam ter se posicionado mais categoricamente sobre o assunto e proposto, dentro dos parâmetros legais, a alteração do nome da avenida principal da cidade. O pretexto para não se alterar sempre acabou por encontrar empecilhos de natureza administrativa, alegando-se inviabilidade uma vez que o comércio teria de promover alterações nos seus cadastros empresariais junto aos órgãos públicos. Falácia. Sabemos que é perfeitamente possível facilitar esse processo dentro de um prazo regular que a legislação contemplaria. O que faltou, e falta, é coragem e vontade política. 
Parece, sem dúvida, ser cômodo conviver com a vergonha de ser uma cidade que se rendeu a uma ditadura, aos déspotas que calaram intelectuais e promoveram assassinatos e torturas nos porões mais sombrios das delegacias. Um regime autoritário que serviu somente a interesses empresariais e cegou toda uma geração, sufocando qualquer deslocamento dentro da hierarquia econômico-social que pudesse salvaguardar o direito inalienável de ascensão de classes historicamente prejudicadas.
Até quando permaneceremos nesse marasmo político que nos torna refém de nossa própria ignorância? Nesse sentido, havemos de concordar que tanto o PT como o PSDB têm suas origens fundadas na contraposição à ditadura, muito embora o destino tratasse de colocá-los em campos opostos na política. Assim sendo, permaneceremos no aguardo para descobrir quem será o agente político suficientemente esclarecido e corajoso para propor, de forma séria, um debate que possa nos conduzir para um projeto de lei que altere, definitivamente, esse nome tão profano que infesta o coração da cidade.

*Artigo publicado na Gazeta de Votorantim de 14/12/2013.

Pele branca, alma turva

Por Fernando Grecco
“Mesmo depois de abolida a escravidão
Negra é a mão 
De quem faz a limpeza...”
(Gilberto Gil)

Encerramos o mês da consciência negra com a certeza absoluta de que o discurso tolo da igualdade racial nada mais é do que um engodo politicamente correto. Na prática, o racismo impera como algo intrínseco à nossa condição humana paradoxal, limitada, e com pouca disposição para digerir, até hoje, conceitos iluministas que tocam à dignidade da pessoa humana e que por bem deveriam influenciar uma educação mais conscientizadora.
Muito embora as políticas afirmativas tenham alcançado certo prestigio na medida em que visa corrigir distorções históricas, ainda assim o que predomina nas classes mais baixas são pessoas de tez negra, o que evidencia que as oportunidades não são, nem de longe, iguais para todos. Propagam-se muitas bandeiras de igualdade racial, muitas vezes com interesses políticos dos mais abjetos imagináveis, mas o mínimo de respeito e aceitação está muito longe de ser uma realidade em nosso meio.  
Aos negros, estão destinados, ainda, os piores empregos, as submoradias, a condenação e, muitas vezes, de forma injusta, a cadeia. O racismo está no dia a dia da sociedade. Ele está presente, pairando, compondo os enredos, selecionando, separando e distanciando seres humanos. Ele é a mola propulsora de uma sociedade inteiramente hipócrita em suas profundezas, segregacionista e com fortes tendências ao despotismo.  
Foi assim. E permanece da mesma forma. O que mudou é a preleção, a falsidade extrema em se propagar uma realidade que não habita sequer o sonho de discriminados e discriminadores. Ao branco consciente, fica somente a paz interior dessa consciência. Nada além da não sensação de culpa, o que não deixa de ser cínico e absolutamente omisso.
Assim, a sociedade vive em conformidade com o embuste, acreditando que vivemos em uma democracia racial onde a herança colonial não mais influencia negativamente as relações sociais entre etnias distintas. É a mentira mais imunda que conhecemos na pós-modernidade. Todos sabem que o ódio racial se origina nas estruturas educacionais, repassado a gerações e alimentado por políticas elitistas que interessam manter o negro em condições paupérrimas de sobrevivência.
A mídia, nesse caso, é a grande propulsora de uma cultura racista, nutrindo de maneira subliminar ou direta conceitos que claramente aludem a uma superioridade branca. Dessa forma, estamos à deriva, permitindo que o discurso flutue ao sabor do vento, esquecendo de observar que a única diferença em relação ao negro da senzala se comparado com o negro da favela reside no fato do segundo acreditar que não é mais escravo.

*Artigo publicado no jornal Folha de Votorantim de 07/12/2013.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Não veja, não leia*

             Por Fernando Grecco
            “A Veja mente, mente, mente, desesperadamente...” (Emir Sader)

     É de conhecimento público que a revista “Veja” é o símbolo maior daquilo que podemos denominar de aberração midiática. Seus apelos publicitários e suas reportagens expressam o mau gosto extremado e uma gama de interesses dos mais porcos que podemos imaginar. Ela, nas palavras de Emir Sader, mente desesperadamente, e seu intuito é estabelecer “verdades” que nem de longe podem ser interpretadas como um jornalismo razoável. Ela produz lixo, lixo e mais lixo. E, pior, é o hebdomadário de maior circulação nacional.
       Na semana que encerramos, a “Veja São Paulo” conseguiu se superar. Estampou em sua capa um playboy que, segundo a revista, gasta aproximadamente R$ 50 mil reais a cada final de semana com festas e boemia. Logo a matéria contaminou as redes sociais com as mais diversas pérolas da idiotice humana. Houve quem argumentasse, de maneira bastante simplória, que o individuo tem o direito de gastar seus recursos privados onde achar conveniente. É o senso comum que, para muitos, é o máximo que conseguem expressar. A realidade é triste.
       Não adentraremos nos méritos da reportagem, uma vez que o espaço é relativamente importante para ser desperdiçado com tamanha frivolidade que, talvez, possa interessar a alguns desocupados, mas não à maioria dos leitores deste jornal. O que nos preocupa é a tamanha libertinagem da imprensa em promover uma farra midiática que fere princípios e promove um descrédito generalizado nos meios de comunicação. Sabemos que a “Veja” é especialista na arte de propagar invencionices e fábulas, mas seus limites têm ultrapassado o que sempre acreditamos ser o pior em matéria de jornalismo.
        Embora tenha árduos concorrentes, a “Veja” consegue esmerar-se na produção de um jornalismo destinado a um público tão vil como ela mesma. A revista conseguiu perder seu caráter de porta-voz da elite – com defesas incansáveis de bancos, do imperialismo norte-americano e da política genocida de Israel – para propagar alegorias que nos causam asco. São mentiras e cretinices repetidas de tal maneira que custa acreditar que seus redatores tenham algum nível de instrução. Se a idéia única é a imbecilização coletiva, o periódico semanal cumpre sua função com excelência.
    Seus colunistas são exemplos irrefragáveis do quanto a boçalidade pode tomar o espírito das pessoas. É um problema crônico de mau-caratismo, de servilismo a interesses comerciais dos mais baixos. Seus compromissos esbarram em levantar a bandeira do racismo, do segregacionismo, em propagar veladamente o ódio aos pobres e aos intelectuais críticos que, geralmente, estão à esquerda no espectro político. É uma enxurrada de horrores dissolvidos em palavras que nada devem representar àqueles que adquiram o simples ato de pensar.
   Toda   essa   problemática   desemboca   na  necessidade  urgente  em  se  aprovar  uma legislação  que  regulamente os meios de comunicação. Não se trata de censura, mas de se exigir  o  mínimo  de  compromisso  com  um  jornalismo razoável, tudo que não se vê em terras  brasileiras.  Como bem avalia Jonas Gonçalves, titular da coluna "Enredo Virtual" do site Tele História, “da mesma forma que se exige (com toda a razão) que não haja censura e  que  a  liberdade  de  imprensa  prevaleça,  também é imperativo que se exija ética de quem se diz no direito de não ter o trabalho impedido”.

* Artigo para publicação do jornal Folha de Votorantim de 09/11/2013.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A ineficácia do Executivo*

Por Fernando Grecco
            Tem-se observado, nos últimos anos, um descontentamento generalizado com a máquina pública, em especial o Executivo, no tocante à eficiência de seus serviços. Razoavelmente, devemos considerar que o modelo ultrapassado de organização pública favorece certa vagarosidade na rotina administrativa/operacional, o que inviabiliza a aplicabilidade de políticas públicas mais agressivas cujos objetivos se pautam em promover o curto-circuito da história a fim de acelerar processos de desenvolvimento que encontram naturais resistências em sociedades culturalmente atrasadas, como a brasileira. A seguir, alguns pontos que entendemos ser empecilho para a plena funcionalidade da máquina pública.       
a)                 O interesse pessoal acima do interesse coletivo. Sabemos que pequenos grupos se apoderam do poder de forma pessoal e por que não dizer tirânica. Os processos são potencializados em cidades interioranas, onde ocorrem apadrinhamentos de todos os gêneros, não só com nomeações de pessoas incapazes para ocupar determinados cargos, mas em favorecimentos licitatórios e favores que se distanciam em muito de valores republicanos. Esse descaso promove inchaço da máquina, saturação da folha de pagamento e gastos por demais desnecessários. Ao invés de colaborar para uma máquina forte, o máximo que conseguimos é uma máquina obesa.
b)                 A pouca instrução do primeiro escalão. Verificamos que os integrantes do primeiro escalão do governo exercem as suas funções como espécie de delegação de poder político pelo mandatário. Essa circunstância, evidentemente, confere-lhes características peculiares. O problema é que isso tem sido justificativa para escabrosidades que estão muito além do tolerável. Reiteramos que em cidades interioranas isso acontece de maneira mais desregrada. Boa parte dos cargos para secretários municipais não se exige, sequer, nível superior, o que pode comprometer seriamente a condução de pastas importantes. Não se trata de fazer uma apologia a tecnocratas que, muitas vezes, não possuem qualquer visão social, mas sim de reconhecer que a entrada em uma seara específica de atividade cognitiva auxilia, e muito, na compreensão da complexa estrutura organizacional das sociedades atualmente. Embora seja possível reconhecer que nossas universidades contribuem muito pouco à formação humanística do indivíduo, ainda assim se faz necessária para se conter certas aberrações.
c)                  A estabilidade do servidor público. Há quem defenda terminantemente a realização de concurso público como sendo a maneira mais democrática de se ocupar as funções administrativas e operacionais do poder público. Não é. A estabilidade funcional coopera de forma decisiva para a ineficácia do sistema, uma vez que tende, devido aos baixos salários principalmente a nível municipal, a gerar uma legião de servidores que atuam por inércia, desmotivados, que estacionam em suas atividades e, com raras exceções, ali permanecem sem nenhuma contribuição significativa à coletividade. Diferente do que se alega, de que a estabilidade é um fator garantidor da manutenção dos trabalhos independentemente de razões políticas, ela apenas auxilia no descaso que toma conta da maioria dos servidores, os quais não temem a demissão em nenhuma hipótese.  
d)                 As disparidades funcionais. Sabemos que os contrastes entre a nomeação de cargos comissionados, definido pelo artigo 37, V, da Constituição Federal, e aqueles preenchidos por concurso público são amplos. Primeiramente, interessante seria se as nomeações do mandatário abrangessem questões técnicas e políticas em todos os casos, o que permitiria uma condução mais adequada das pastas. Infelizmente, a prática demonstra o oposto. Assistimos a nomeações de pessoas que sabemos, pelo seu histórico, estar muito longe de preencher requisitos mínimos para ocupar determinadas funções. Vide as nomeações em qualquer município, geralmente são agentes que passam suas vidas presas à máquina pública, seja por laços de parentescos com personalidades ou trabalhos eleitoreiros realizados em período específico. Raramente se vê nomeações que fujam dessa realidade. Com isso, vemos diretores, chefes e assessores com nível médio de escolaridade (ou nem isso), liderando equipes onde encontramos funcionários pós-graduados. Essas disparidades conduzem fatalmente para o caos administrativo. 

Há centenas de outras razões que, além dessas, explicam o enrijecimento das atividades públicas. No entanto, enquanto o poder público se apresentar como apadrinhador de partidos políticos e de suas práticas ultrapassadas, estaremos bem longe de um serviço público eficiente, justo, e que dê garantias principalmente aos setores econômicos e sociais mais vulneráveis da sociedade.

*Artigo para a edição de 29/10/2013 do jornal Folha de Votorantim.

sábado, 26 de outubro de 2013

Direitos inegáveis, abusos intoleráveis*

Por Fernando Grecco e Patrícia Sbrana 
“Nenhum animal será submetido a maus-tratos e a atos cruéis... quer seja uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer outra.” (Declaração Universal dos Direitos dos Animais, 1978 - Unesco)

        É curioso observar que os grandes expoentes do Iluminismo discorreram, em certa medida, sobre a necessidade em se ter compaixão pelos animais. Encontramos citações em Rousseau, Voltaire, Thomas Paine, Jeremy Bentham, e posteriormente em Kant e Schopenhauer. Todos apregoavam a extensão do direito à vida aos animais como condição necessária para uma sociedade evoluída ética e espiritualmente.  No entanto, quais foram as implicações disso? Fatalmente, a mentalidade de respeito aos animais é inerente a concepção humanística trazida pelo Iluminismo, mas que se confronta com ignominiosos interesses do sistema econômico e da minoria que dele se favorece. No caso específico dos animais, os tratamentos a eles dispensados estão muito aquém do razoável, flutuando entre o sádico e o cruel.
Infelizmente, a perversidade cometida pelo Instituto Royal, manchete dos principais jornais da semana, está longe de ser uma exceção. Sabemos que os laboratórios de produtos cosméticos e farmacêuticos praticam testes em animais, corroborando com torturas e maus-tratos que muitas vezes, de forma cínica, são justificados pelo discurso desonesto do “avanço da ciência”. No caso da indústria farmacêutica, há um agravante: ela se veste de uma roupagem quase filantrópica quando propaga que testes dessa natureza são necessários para o desenvolvimento de fármacos que trarão benefícios à saúde humana. Não é verdade. Filantrópico seria se produzissem remédios e os distribuíssem gratuitamente a todos que necessitam. Seu objetivo único e primordial é lucrar bilhões de dólares anualmente com seu comércio que, no Brasil, em termos de faturamento, fica atrás apenas dos bancos e da indústria automobilística.
Havemos de considerar também que o avanço tecnológico já permite que os métodos substitutivos de pesquisa tenham eficácia superior àqueles realizados com animais. Trata-se de uma tendência mundial que o Brasil, ou quem se beneficia financeiramente disso, parece não se interessar. Recentemente, a União Européia deu um passo no sentido de restringir o uso de animais em laboratórios, uma vez que boa parte dos países europeus já havia proibido essa prática seja nas universidades ou em instituições privadas. No Brasil, o atraso ainda é preocupante. A Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, proíbe expressamente a experimentação, ainda que para fins didáticos, quando existirem métodos alternativos. Métodos alternativos sabemos que existem. E, se existem, a vivissecção deveria ser considerada tacitamente proibida.
É sabido de todos que não há compatibilidade entre “elevados conceitos humanísticos” e a prática capitalista. São excludentes na sua essência. Isso explica a busca incessante de lucro, independentemente se os princípios de uma causa tão nobre como essa estejam sendo violados, mesmo eles encontrando respaldo jurídico, ético, moral ou mesmo religioso. Dessa forma, a luta pela proibição definitiva de testes em animais não deve ceder às grosseiras pressões midiáticas a favor de torturadores que visam, somente, a perpetuar uma prática cruel contra seres que, indubitavelmente, devem ser acolhidos na sociedade como símbolo maior da perfeição natural, e não como subproduto para alimentar a cobiça e a ganância de uma minoria.  

Fernando Grecco é articulista político.
Patrícia Sbrana é vice-presidente da Associação Amigos dos Animais de Votorantim.

* Artigo publicado originalmente no jornal Gazeta de Votorantim em 26/10/2013.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

À sombra do mau gosto*

Por Fernando Grecco
"Só há uma treva: a ignorância." (Shakespeare)
           
Algumas pessoas ainda não perceberam, mas é perfeitamente possível comer, tomar banho, ir à academia ou passear de carro com os amigos sem postar no facebook. Admitimos que, interessar-se em saber da rotina diária das pessoas, principalmente nas suas atividades mais sem importância, é certamente um sinal de uma enfermidade conhecida como ócio. Já a necessidade em exibir determinadas frivolidades pessoais do dia a dia é uma evidência clara do baixo nível a que fomos reduzidos.
Com a difusão das redes sociais foi possível observar (mais uma vez) o baixo nível ético e moral da sociedade brasileira, especialmente em cidades interioranas como Votorantim. Analisando os comentários, frases de efeito, fotos etc., que diariamente poluem as páginas da internet, vislumbram-se um espetáculo de idiotices de todos os gêneros. Não há marco limítrofe entre o razoável e o mau gosto extremo. O que vimos, diariamente, são piadas sem graça, vulgarização de mulheres, adultização infantil e comentários políticos que são dignos de pena.
Um elevado percentual de postagens refere-se a novelas, futebol, disseminação velada de preconceito étnico, sexual e religioso, além de frases de auto-ajuda que, de tão simplórias, não merecem sequer ser exemplificadas. Política, quando se fala, é com intuito de propagar as mesmices que ouvimos nas ruas. Nada de novo, pelo contrário, é tudo piorado já que a tecnologia nos permite ocultar a face e a verdadeira identidade, muitas vezes. É Lamentável. Se um dia acreditamos que a tecnologia facilitaria o contato com a ciência, robustecendo o espírito crítico e o nível cultural da população, isso se limitou à teoria.     
Às mulheres atraentes, esboçadas em academias, as redes sociais funcionam como um palco para exibicionismos baratos. Não há limites para a trivialidade e para a baixeza, para a necessidade suprema em ser observada, desejada e comentada. A isso, boa parte das pessoas dedica-se horas de suas vidas em um narcisismo infantil, frustrado e desprovido de qualquer sensualidade. Ao homem, cada dia mais distante de uma formação pessoal crítica, restou falar de futebol, mulher ou cerveja. A caracterização masculina, instintiva, perdeu o sentido, dando lugar a um modelo tão caricato que a essência masculina não mais se reconhece.  
Outro dado curioso é que, ao observamos a realidade dentro das redes sociais, parece reinar uma felicidade plena na vida dos internautas, como se eles não vivenciassem um mundo dominado por intempéries políticas, sociais e econômicas. Transmitem, de maneira bastante impostora, que são tomados por elevados sentimentos humanos, como a compaixão e lealdade, além de serem fiéis seguidores de princípios teológicos que poucos ousariam divergir. A falsidade é muito grande.  
Imaginamos uma sociedade que utilize a facilidade da comunicação via internet para se voltar única e exclusivamente aos nossos problemas essenciais. Fome, miséria, violência, racismo, doenças e degradação ambiental. Não reconhecemos esses temas nas redes sociais. Eles são, por sua vez, tão estranhos à maioria dos internautas que perderam inteiramente o sentido. 

*Artigo publicado originalmente para a edição da Folha de Votorantim de 25/10/2013.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Educação ou aculturação?*

   Por Fernando Grecco
   “Uma das metas da educação é formar mentes que estejam em condições de criticar, verificar e não aceitar tudo que a elas se propõe." (Jean Piaget)

   Sabemos que Votorantim possui, de um modo geral, uma população que deixa muito a desejar em termos educacionais e, principalmente, no que concerne à formação cultural. Esse fenômeno não é prerrogativa local, evidentemente, mas por aqui parece que a resistência à evolução é maior, encontrando obstáculos intransponíveis a todo instante. No entanto, quando assistimos a uma pasta importante da administração pública fomentar propositadamente a alienação nas crianças, devemos nos preocupar de fato, uma vez que os prejuízos podem ser incalculáveis.
   Referimo-nos à triste informação de que a Secretaria Municipal de Educação promoverá, na rede pública de ensino, atividades comemorativas ao 31 de outubro, data em que se comemora o Halloween, evento cultural mais fortemente presente nos EUA. Com o pretexto pouco convincente de estimular o estudo do inglês, uma vez que as comemorações serão realizadas pela Oficina de Língua Estrangeira, a secretaria demonstra um incomensurável e injustificável despreparo no que toca à condução de uma pedagogia realmente libertadora. Dessa forma, a secretaria evidencia estar presa, ainda, ao conservadorismo da concepção pedagógica tradicional, com um agravante: a subordinação inteira ao imperialismo norte-americano.
   Mal comparando, a obra “Pinóquio às avessas”, de Rubem Alves, retrata essa pedagogia prisioneira aos interesses do liberalismo econômico, o que no caso de Votorantim transpõe os limites do aceitável quando visa engranzar nas crianças conceitos culturais que, além de distantes de suas realidades, procedem de uma estratégia política das mais perversas que a humanidade já conheceu. O resultado inevitável dessa subserviência é o adulto desprovido de identidade própria, bem aos moldes desejáveis pelo mercado que visa de maneira persistente à uniformização de pensamentos e à padronização de comportamentos.
   Não se trata, como cinicamente pode alegar a secretaria de educação, de estimular o estudo da língua ou mesmo promover o conhecimento da cultura de outros povos através de atividades lúdicas. No caso do primeiro argumento, o estímulo ao estudo da língua inglesa, ou de qualquer outro idioma, dá-se na demonstração inequívoca da riqueza dos distintos dialetos existentes no mundo como incontestável patrimônio da humanidade. No segundo argumento, compreender a cultura alheia não é sinônimo de reproduzir práticas que em nada se identificam com a nossa realidade. Primeiramente, a pedagogia deveria voltar-se ao entendimento da nossa cultura, o que estaria vinculado a análises profundas, por exemplo, sobre as matrizes culturais africanas e àquelas verificadas na Península Ibérica sobretudo nos três primeiros séculos da colônia.
   E mais, no caso de repetir impensadamente comportamentos manifestados na cultura alheia, então adotaremos o mesmo critério para o estudo de todas as manifestações culturais já conhecidas na humanidade, e não somente a norte-americana. Por exemplo, poderíamos iniciar arremessando bebês de uma altura de 500 metros para serem salvos por pessoas que por eles esperam com lençóis aos pés de uma torre, como acontece na Índia há mais de cinco séculos. Ou, quem sabe, inspirados nos Aghoris, podemos estimular a prática de se alimentar de pessoas mortas com o objetivo de buscar a imortalidade e poderes sobrenaturais. Tudo isso faz sentido para a nossa realidade? Não. Logo, entender e respeitar os tradicionalismos de um povo, o que é esperado, não significa, nem de longe, praticá-los.
   Nota-se que, mesmo após o desenvolvimento da Teoria da Ação Antidialógica, de Paulo Freire, ainda há legiões de pedagogos que, por ignorância ou má fé, fecham-se em seus universos medíocres e, pior, confinam toda uma juventude na cela escura e nuviosa da estupidez. Dessa forma, jamais evidenciarão a opulência da língua de Shakespeare às crianças, mas estarão falseando o mundo, conscientes ou não, para a dominação completa de seus corações e mentes.

*Artigo publicado para a edição da Folha de Votorantim de 24/10/2013.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Juventude alienada, liberdade desperdiçada*

“A argila fundamental de nossa obra deve ser a juventude...” (Che Guevara)

Por Fernando Grecco e Gabriel Soares
         A juventude brasileira padece da mais rigorosa de todas as enfermidades: a letargia política. Pior, ela está anestesiada e naufraga diariamente em um terreno de solo deteriorado, cujos componentes direcionam para uma aculturação tamanha que certamente trará sérios reflexos no futuro. Foi assim no passado com a “geração jovem guarda”, e será bem mais grave no futuro com a geração das redes sociais. Hoje, nem aquele romantismo literal, típico dessa fase pueril, distingue a juventude do resto da população. A realidade é preocupante.
       Observamos essa conjuntura levando em consideração diversos fatores sociais, dentre os quais a aversão à política e a questões socioambientais, a vulgarização da vida sexual cotidiana, a cristalização de um conservadorismo reacionário, o mau gosto musical e o imenso desprezo pela literatura e pelas ciências de um modo geral. Soma-se a isso a apatia das nossas universidades, enclausuradas em metodologias arcaicas de ensino, contribuindo muito para um circulo vicioso que produz anualmente levas e mais levas de alienados que não conseguem sequer questionar o sistema.
     Com isso, os problemas estruturais se agravam dia a dia como o desemprego, a violência urbana, a prostituição como produto da miséria, o vício, e o sepultamento de uma geração por completa entregue ao fracasso. Nesse aspecto, havemos de ressaltar que qualquer medida que não atinja a essência desse problema (educacional), que não vá realmente de encontro às origens dessa deformação, não passará de um paliativo sem qualquer resultado prático que nos interesse. O sistema não tem que ser reformado, mas sim alterado em suas estruturas principais de modo a se conceber um novo pensamento e uma nova forma de relação organizacional da sociedade.
     O aprimoramento das ferramentas pedagógicas com a evolução tecnológica não conseguiu superar, infelizmente, o propósito perverso dos meios de comunicação em promover a alienação da juventude a fim de afastá-la das discussões de temas realmente relevantes. Assim, a massificação do pensamento é um dos maiores crimes a que assistimos contra aqueles que têm por obrigação a tarefa árdua de alterar toda nossa concepção errática de mundo.  Como mudar essa realidade tão incrustada em nosso meio? Somente com uma educação voltada à libertação que vise à revisão de valores que tocam ao respeito e à dignidade humana, bem como promova um pensamento claro o suficiente para a condenação impetuosa e incontestável do sistema econômico e de suas consequências desumanas para a sociedade.
          Sem isso, fatalmente iremos prosseguir reprimidos por uma estrutura social que não permite mobilidades, que vende sonhos e fantasias, mas limita ao extremo a liberdade de crescimento pessoal em todas as suas dimensões. Sem uma revisão profunda nas práticas pedagógicas e nos parâmetros curriculares, viabilizando um pensamento social mais arrojado com vistas à superação das diferenças, permaneceremos confinados dentro de um universo morto, onde a atrofia mental é pressuposto básico para a sobrevivência.  

Fernando Grecco é articulista político (www.fergrecco.blogspot.com). Gabriel Soares é estudante de Direito e vice-presidente do centro acadêmico da Universidade de Sorocaba (gabrieluniso@hotmail.com). 

* Artigo para edição da Folha de Votorantim de 22/10/2013.